Olaf vendeu seu olho esquerdo. Ele o desconectou da órbita e colocou sobre o balcão. O olho chiou por um segundo, encarando o comprador com um brilho morto. Este, homem cego de uns oitenta anos, escaneou o polegar no leitor de pagamentos e o acenou de forma respeitosa com a cabeça. Olaf jogou o olho na mão do homem como se fosse um trocado. O comprador conectou o olho e deixou a loja com um sorriso no rosto e a bengala debaixo do braço.
O burburinho dos comerciantes diminuiu, e o cheiro de lixo impregnou o ar. Hora de fechar a loja e ir à farmácia.
— Quero o de sempre — disse Olaf a Brenno, o farmacêutico, com o polegar no leitor de pagamentos.
— O que aconteceu com o olho, Olaf? — Tinham sido vizinhos, compartilhado camas e bebedeiras, mas Olaf se afastara dele, assim como da maioria dos amigos, desde que o irmão ficara doente.
— Diversificação de negócios.
— Você deveria se cuidar — disse Brenno ao lhe entregar soro embalado, expirando charuto e pendências.
Não falou para Brenno que sua loja estava vazia, sem mais nada a ser vendido além de si próprio.
Olaf pegou o pacote e foi para o hospital. Que é mais iluminado do que as vielas das lojas, mas, em vez de ter cheiro de fritas e noodles, rescende a despedidas antissépticas. Ele adentrou o quarto do irmão, sorrindo, e colocou o soro sobre a mesa de cabeceira, onde uma enfermeira tinha deixado um solitário girassol murcho.
— Você vendeu o olho — apontou Alon, com os olhos cheios de lágrimas, braços, pernas, e rosto paralisados devido a uma rejeição grave a um bio-enxerto. — Você não devia fazer isso.
Olaf nada disse — mas, sim, ele devia.
*
Olaf vendeu seu braço esquerdo para um garoto que queria um terceiro.
— É pra jogar vôlei — disse ele, enquanto pagava.
Olaf desacoplou o braço e olhou surpreso para a tatuagem da família: ele, Alon e os dois pais mortos em versões caricaturadas. Ele tinha feito a tatuagem em homenagem a ambos os pais meses antes de a humanidade começar a enxertar todo mundo para conter a Peste da Carne.
— Algum problema, senhor? — perguntou o garoto.
Olaf sacudiu as memórias para longe. Deveria ter sido seu braço direito, mas ele era destro.
— Espero que goste de tatuagens, garoto.
*
Era saldão de aniversário Gran Acaba. Olaf vendeu o pé direito, rim esquerdo e orelhas. Vendeu quatro costelas. Até o coração, que substituiu por mecanismos que deveriam funcionar como seu sistema cardiovascular.
O último cliente do dia era uma mulher baixa de pele dourada. Viúva, filhos falecidos, olheiras escuras circundando olhos que refletiam exaustão. Ela cheirava a papoulas e peônias. Ele teria preferido girassol, mas não era o caso. Para ela, ele vendeu a loja. O negócio da família, o orgulho dos pais, sua herança, tudo que restava.
Olaf nunca tinha feito tanto dinheiro num só dia.
*
— Posso pagar pelos medicamentos e o quarto do hospital por um ano — disse Olaf a Alon, exalando ferrugem e alívio, enquanto mancava ao entrar no quarto do irmão. — Deve ser o suficiente.
Mas não era. E Olaf não tinha mais nada para vender a não ser as pernas que usava para visitar Alon, o olho para ver se estava comprando o soro certo e o braço para carregar o remédio.
— O que você vai fazer, Olaf? Vendeu tudo por minha causa e vai me ver morrer de qualquer jeito.
Não, ele não veria.
*
Olaf encontrou a senhora de pele dourada na loja dela, seus olhos amuados de solidão e saudade. O local tinha sido reformado com abajures, estatuetas e móveis à venda.
Tudo brilhava em cores que ele próprio nunca alcançara.
Colocou o remédio embalado no balcão e o empurrou para ela, junto com uma mala que continha todos os pertences do irmão. Ela colocou o polegar dourado no leitor de pagamentos de Olaf.
Olaf vendeu um amigo para ela.