Não sobrou muito da minha vó desde que ela virou um casulo. Algumas coisas continuam as mesmas: as veias verdes dos braços aparecem sob uma camada de seda, as pernas curtas retorcidas atrás da teia translúcida, os olhos pretos que ainda piscam. Aquelas bolinhas escuras como jabuticabas me observam ir e vir com uma consciência alarmante. Se ela está presa ali dentro, como consegue enxergar? Se enxerga, o que será que pensa? Eu costumava falar com ela. Sentava ao lado do casulo, tocava a ponte do seu nariz e sussurrava: como tu tá linda hoje, vó. Como tu tá se sentindo? Vai passar. Tudo vai passar.
— Tenho tanta coisa pra fazer — ela disse quando tudo começou. A seda ainda não era tão grossa. — Preciso pagar as contas. Ver um pessoal. Enviar uns negócios.
Tirei uma mecha de cabelo prateado da testa dela e sorri.
— Tu pode fazer isso qualquer outro dia — respondi. — Quando tu estiver se sentindo bem.
— Eu tô ótima — ela insistiu, mas a expressão traía a mentira. Minha vó bocejou. — Só um pouco cansada. Muito, muito cansada.
No começo, a seda era suave, tecida por mãos invisíveis. Às vezes, eu tentava tirar o tecido dos braços como se fosse uma cobra descamando, mas os fios brancos voltavam quase imediatamente. Quando eu a abraçava, eles roçavam em mim, finos e felpudos, mas, depois de uns dias, pelos urticantes brotaram do casulo, e eu não conseguia mais consolá-la.
— Tenta descansar, vó — eu dizia quando ela tentava lutar contra o invólucro. — Já, já tu se sente melhor.
Ela não se sentiu. Quero acreditar que ela poderia ter feito algo para atrasar o processo. Que poderia ter tomado as próprias decisões. São essas as armadilhas criadas por minha mente, me fazendo pensar que ela poderia ter aproveitado melhor o tempo fora do casulo se não fosse por mim, que dizia para ela descansar. Se eu não a tivesse convencido a dormir, ela poderia ter ateado fogo na pupa crescente e se libertado.
Mas falei tudo isso, e agora ela está no meio da sala, a seda grudada no teto, nas paredes, no chão. A forma humana é residual: ela tem uma cabeça, um pescoço, um torso, dois braços, duas pernas. Ela habita o próprio sarcófago orgânico, mas os olhos continuam me vendo. Não o tempo todo. Não todo dia. Às vezes, acontece quando passo por perto: ela pisca. Eu a chamo de vó no mesmo tom que usava em minha infância: pisca. Desembrulho um Sonho de Valsa: pisca. Às vezes, ela me ignora, fitando os defeitos da pintura cor de creme das paredes, as bolhas de umidade se formando logo abaixo. No passado, ela não teria suportado ver algo assim. Teria limpado e esfregado e desinfetado até cansar. Agora, ela só olha.
Não interajo mais com minha vó. As respostas dela sumiram. No máximo, os olhos me seguem, perdidos no meio do tecido, e depois param. Focam e desfocam. Os barulhos da rua não a perturbam mas, se chego perto, ela estremece dentro do casulo. Do rosto, só consigo ver os olhinhos pretos.
— Bom dia, vó — digo ao acordar. Não nos vemos durante a tarde. Depois, à noite, antes de desligar a luz: — Boa noite.
Ela não responde; não ouve; não reage. Está desconfortável, mas não sente dor. Me enxerga, mas não sabe quem sou.
O casulo continua lá.
Descubro que me acostumei bem à nova rotina. Em dias de sol, abano a pupa com um leque de papel, e as pálpebras sem vida tremulam com o vento. Quando faz frio, embrulho o casulo com um cobertor, e ele vibra quando me ouve cantar ou quando toco alguma música que minha vó costumava gostar. As favoritas são marchinhas de Carnaval da década de 40 ou 50, que ela acompanha cantarolando baixinho, a voz abafada pela seda.
— Estava aqui pensando no que vai acontecer quando tu sair daí — falo enquanto passo um aromatizador de ambiente na casa. Lavanda, o que ela sempre comprava. Sempre espero que reaja. — Se algum dia…
Paro antes de terminar a frase. Sou assombrada pela ideia do que está por vir, e meus sonhos refletem esse medo: imagino mãos inumanas rasgando a cobertura pálida, mãos quebradiças, compridas e cobertas de cerdas suaves. Um líquido âmbar viscoso gotejando dos lábios, derretendo a carcaça endurecida. Algo que não é mais minha vó saindo dali.
À noite, a casa fica cheia de mariposas, e elas rodopiam ao redor da lâmpada, como se zombassem de mim. Me pergunto se é isso que vou encontrar quando os olhos dela finalmente pararem de se mexer, brancos e vítreos como a seda que cobre o que resta de seu rosto. Sonho com minha vó rompendo a jaula fibrosa, o corpo distorcido até uma forma oval, as pernas dianteiras quebradas em dois gravetos finos, asas se abrindo de parede a parede.
— Ainda vai ser tu, vó — digo ao casulo. — Não importa a forma. Ainda vai ser tu.
Levo um tempo para perceber que ela precisa de ajuda. Vó, chamo, cavando a casca prateada com os dedos. Minhas mãos ardem conforme quebro a seda rachada, e as primeiras camadas caem aos meus pés como papel enrugado. A seda de baixo é branca e trançada, grudando debaixo das minhas unhas, mas sigo rasgando com mais e mais vontade.
— Viu — continuo, secando a testa com a manga, — agora tu tá livre.
Ninguém me responde porque não tem nada dentro do casulo.
Nada, nem mesmo uma pupa. Só o espaço vazio onde ela costumava ficar, enroscada em sono induzido.
Toco no casulo fragmentado e sem vida, e ele se desfaz, deslizando por meus dedos em um turbilhão de pó branco.