Quando criança, eu achava a casa onde minha mãe passou a infância ao mesmo tempo empolgante e aterrorizante. Havia uns calombos misteriosos sob os azulejos da cozinha. As portas do corredor que dava a volta na casa abriam com relutância ou sequer abriam. O espelho do armário da minha avó refletia seus terninhos, xales com estampas florais e chapéus de missa sob uma estranha luz azulada. Mas nada me maravilhava mais do que o cômodo na ponta do corredor — onde minha tia mais nova, Eunice, dormia quando mais nova. Aquele quarto, dizia minha mãe, já tinha sido assombrado.
Toda vez que eu entrava lá (nunca sozinha), procurava evidências de assombrações: um frio esquisito no ar, marcas dos pôsteres que costumavam cobrir as paredes. Quando adolescente, minha tia amava bandas de heavy metal. Eram inspiração para sua própria carreira na bateria; as paredes do cômodo onde ela dormia tinham pôsteres por todos os lados. Os pais não gostavam muito da ideia — a típica incompatibilidade entre os interesses adolescentes e o senso obsoleto de decoro da geração anterior. Era algo realmente inofensivo — até a noite em que, como conta minha mãe, tia Eunie começou a berrar.
A família a encontrou no corredor, soluçando.
“Tem alguma coisa no meu quarto”, disse ela. “Alguma coisa me acordou.”
Sob a luz baça da rua, com os gritos de Eunice ainda ecoando pela casa, o quarto havia se transformado num lugar sinistro. Lençóis jogados para o lado, a cama cercada por rostos com pinturas elaboradas, olhos escuros e bocas escancaradas em gritos. Um toque gélido que não existia antes, naquela noite mormacenta do Arizona.
Minha tia arrancou todos os pôsteres. Meu avô, pastor, orou pelo cômodo. Mesmo assim, algo esquisito perdurava ali. Ninguém conseguiu dormir naquele quarto por anos.
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Me interessei cedo por terror, apesar da minha covardia: a fita Bunnicula: A Rabbit-Tale of Mystery (em tradução livre, algo como Bunícula: uma história de mistério com coelhos), de Deborah and James Howe, que peguei emprestado da biblioteca e ouvi sentada à mesa da cozinha, era de arrepiar por conta da aveludada voz do narrador. Tinha também a série de Alvin Schwartz, Histórias assustadoras para contar no escuro, com horripilantes ilustrações originais de Stephen Gammel — caveiras sorridentes envoltas em fumaça, com as faces brancas e os olhos fundos, além dos vermelhos sanguíneos e dos azuis assombrosos, aterrorizantes mesmo quando vistas no sol brilhante da tarde. Mas minha atração pelo gênero não começou com esses livros. Começou com histórias de família.
Os contos assustadores da minha mãe e do meu pai são a base do nosso folclore familiar. As dela focam em sua família: nos pôsteres de bateristas de metal, na noite em que uma sobrinha pequena arranhou suas costas enquanto ela jazia paralisada na cama, incapaz de gritar. Já as do meu pai eram centradas na arrepiante seleção de vizinhos: o lobisomem que morava logo ao lado, a senhora envolta num enxame de abelhas, uma bruxa que acenava com sua mão espectral para as crianças que passavam por ali.
Ouvi essas histórias com tanta frequência que o terror passou. As memórias permanecem, porém. Saber que meus pais já tiveram experiências aterrorizantes que eu só tinha visto em filmes e livros era empolgante. Através delas, eu estava a apenas um grau de separação do sobrenatural.
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O quarto dos fundos da pequena casa de adobe onde meu pai cresceu era um puxadinho. Não tinha janelas, mesmo voltado para o quintal dos fundos. A parte elétrica era precária, a ponto de as lâmpadas queimarem em questão de dias. Quem precisava fazer algo por lá tratava de fazer bem rápido.
Certo dia, meu pai e o irmão mais novo dele, David, estavam brincando do lado de fora. Uma hora, David entrou. Meu pai foi atrás alguns minutos depois. Enquanto ele passava pelo batente, ouviu um berro vindo do quarto dos fundos. Ele correu até lá, e minha vó já tinha chegado. Ela estava com David nos braços, que por sua vez soluçava e estava com a cabeça sangrando.
Meu tio olhou para o meu pai, às lágrimas.
“Você me empurrou!”, gritou ele.
A história saiu entre soluços sentidos: David tinha ido até o quarto dos fundos para pegar algo, e meu pai havia entrado pé ante pé e empurrado meu tio. Meu pai negou; tinha acabado de entrar em casa.
Minha avó olhou de um menino para o outro, à procura de uma explicação.
“Mas, pelo jeito que ela me olhava, dava pra ver que acreditava em mim”, disse meu pai. “Sabia que eu não tinha entrado naquele quarto, que não tinha empurrado meu irmão.” Havia alguma coisa estranha naquela casa, e ela estava ciente. “Mas a gente não falava sobre o assunto. Dá pra racionalizar algo quando a coisa acontece só com você, mas é mais difícil quando há outras testemunhas.”
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Só que sempre há testemunhas.
Meu pai lembra de quando a mãe acordava ele e os irmãos à noite, salpicando as crianças com água da torneira que ela havia benzido com uma oração, pedindo proteção contra os espíritos impuros de uma casa inquieta. Já minha mãe se lembra da época em que a mãe dela visitava uma bruxa. Ela ficava sentada quietinha na sala de estar da casa, esperando minha avó terminar a consulta no quarto dos fundos. Das sessões, a única coisa que minha mãe se lembra é da escuridão.
Minhas avós eram ambas devotas: frequentavam a igreja, e a mãe da minha mãe era esposa de um pastor. Ainda assim, havia cantos onde Deus não as alcançava — lugares onde bruxas, trabalhos com raízes e feitiços eram a única fonte de luz.
Meus pais contavam as histórias sobre raízes e bruxas com pouca frequência. Não eram assustadoras, mas provocavam calafrios que me perseguiam por mais tempo do que os sustos pirotécnicos dos outros causos de família. Porque para mim, tais narrativas — de mulheres lidando com uma escuridão invisível tendo como arma nada além de água da torneira e uma oração para proteger a ela e seus filhos — levavam a uma verdade mais profunda: quando meus pais falavam de bruxas, raízes e assombrações, não estavam falando necessariamente daqueles terrores sobrenaturais.
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Certa vez, estava perambulando pelo quarto dos meus pais enquanto minha mãe limpava o banheiro. Ela tinha esvaziado o armário sob a pia, escavando séculos de itens mais velhos do que eu: frascos amassados de hidratante rosa e potes esburacados de vaselina, pentes quentes com dentes chamuscados sorrindo sobre o carpete. Mas foram os Ziplocks imensos cheios de cabelo denso e escuro que me abalaram.
Havia vários, todos quase explodindo, as bordas do plástico rosadas e escorregadias. “O que é isso?”, perguntei.
Minha mãe fez um gesto esquisito, meio constrangida e meio achando graça. “Cabelo seu e da sua irmã”, respondeu ela.
Eu sabia que nossa mãe varria nosso cabelo depois de cada sessão de cuidados capilares, mas nunca tinha me dado conta de que guardava tudo. Era para servir de lembrança, disse ela. Mas já mal cabia no armarinho, e ela enfim jogaria aquilo fora.
Anos depois, perguntei de novo sobre o cabelo. A princípio, ela deu a mesma resposta. Mas depois hesitou, pensando melhor.
“Então, tinha uma história de não deixar ninguém ter acesso ao nosso cabelo”, soltou ela, casual. “Que estranhos podiam enfeitiçar a gente através dele. Então, pra manter vocês duas em segurança, não jogava seu cabelo fora.”
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Todas as histórias assustadoras contadas pelos meus pais podem ser explicadas por seus componentes racionais. Elas perdem o ar assustador com a intervenção da lógica e da racionalidade: os pôsteres possuídos da minha tia não passavam de pesadelos; a mão da sobrinha da minha mãe arranhando suas costas foi um sonho misturado a um evento de paralisia do sono; a responsável pela presença no quarto dos fundos da casa de adobe foi a fiação precária. Mas há outras histórias que meus pais recontaram só uma vez depois que minha irmã e eu já éramos maiores, histórias que não tinham nada a ver com bruxas, raízes e assombrações. Minha mãe e os irmãos e irmãs agachados do lado de fora da casa, escondidos enquanto o pai ameaçava atirar no irmão mais velho deles, que gritava; gravidezes escondidas e abortos mantidos em segredo, um bebê enterrado numa caixa de sapato no jardim dos fundos; um vizinho que levou um tiro a queima roupa e depois se arrastou pela rua até a casa do meu pai para pedir ajuda; meu avô alvejando um ladrão pela janela da cozinha. Meus pais têm dezenas dessas histórias. Por mais horrorosas que sejam, foram eventos da infância deles, mas demorou anos para que conseguissem colocar aquilo para fora.
Então, até que conseguissem, deram à minha irmã e a mim histórias de fantasmas. Na boca deles, o sobrenatural se transformou numa língua que usavam para falar sobre o indizível. O sobrenatural era uma forma de ver os horrores muito reais de sua infância como realmente eram: uma trepadeira tão grande que a casa inteira precisa ser demolida para escavar suas raízes, uma infestação que exige exorcismo, não dedetização. Era assim que compartilhavam mais sobre si, antes que minha irmã e eu tivéssemos idade para entender: com histórias de bruxas, raízes e assombrações.